24 de fevereiro de 2012

Salários ditados pelo mercado: talvez o futuro não seja como costumava ser

Tommaso Russo

Nos tempos atuais, os profissionais em remuneração podem estar em uma sinuca de bico. A tendência de utilizar o mercado como referência para a definição dos salários, que sempre foi uma das políticas mais importantes em um sistema de cargos e salários – senão a mais importante – está sendo contestada.
De acordo com pesquisa de 2010 com clientes da consultoria Mercer, 72% dos executivos americanos entendem que o foco da remuneração no futuro estará em pagar mais para os colaboradores que tenham competências críticas para o negócio do que as comparações de mercado.
 Cargos críticos
Cargos críticos são aqueles que agregam mais valor para o negócio do que outros. São apenas isso – críticos. Podem fazer a diferença para uma organização em cumprir ou não suas metas. São diferentes para cada empresa, já que cada uma possui sua própria estratégia para o alcance de resultados. Claro, todos os cargos são importantes – mas esses são críticos.
Não é verdade que os cargos críticos estão sempre na alta administração, nos executivos ou nos cargos mais técnicos. Por exemplo, a FedEx definiu que seus pilotos de avião e motoristas das vans de entrega são os mais críticos para seu negócio: a pontualidade nas entregas aos clientes é fundamental para sua estratégia competitiva.
O mesmo aconteceu com os programadores de COBOL, uma linguagem de programação praticamente extinta na época, que se tornaram críticos durante a ameaça de apagão na virada do milênio – o Y2K. Na prática, esses técnicos ganharam mais dinheiro que os programadores regulares, apesar de possuírem o mesmo cargo, com valor de mercado teoricamente igual. Só restou à área de Remuneração pagar o suficiente para que esse pessoal concordasse em ficar na empresa.
Comparação de cargos (Job matching)
Outro aspecto raramente comentado é a crescente dificuldade na comparação de cargos com o mercado. Com o apagão da mão de obra qualificada, as equipes estão enxutas e a responsabilidade de muitos cargos ampliou-se, somando a execução de atividades típicas da função com partes de processos desenvolvidos por outros cargos, que não existem mais, ou que permanecem vagos por muito tempo, por falta de pessoal para ocupá-los.
Assim, como é possível fazer uma comparação decente? Pense no cargo de Analista de Contas a Receber. São muitas as empresas nas quais esses profissionais participam também dos processos relacionados a Contas a Pagar. Em outras, essas funções estão centralizadas na Controladoria e executadas por Assistentes Administrativos. Em algumas, Contas a Pagar inclui a responsabilidade pela folha de pagamento. Cada uma dessas estruturas organizacionais apresenta complexidades diferentes, com desafios maiores ou menores e exigências variáveis de formação profissional e de conhecimento técnico.
Será que a coleta de dados dos participantes de uma pesquisa salarial consegue diferenciar essas sutilezas quando são fornecidos os dados salariais referentes ao cargo de Analista Contábil? Se sim, como separar a parcela do salário correspondente a essas atividades “extras” das atividades “normais”? Se a consultoria responsável pela pesquisa promovesse uma reunião com os participantes para analisar em detalhe o match de cargos, iria chegar à conclusão que nenhum cargo teria a quantidade  estatisticamente necessária de dados para o cálculo de seus parâmetros médios. Os cargos seriam únicos em cada empresa pesquisada.
Remuneração por Competências
A adoção de modelos de remuneração por competências poderia, em alguns casos, fornecer parâmetros objetivos para o estabelecimento dos salários. Entretanto, esses parâmetros são eminentemente internos, e como o crescimento salarial nesta modalidade de gestão é produto do desenvolvimento individual e do desempenho, dado um tempo suficiente, os custos com treinamento e desenvolvimento somado ao crescimento autoprofetizado da folha, tornariam inviáveis a maior parte dos negócios. Poder-se-ia limitar esse modelo apenas aos cargos críticos, mas como lidar com os-dois-pesos-duas-medidas?
Esses são os desafios dos técnicos de remuneração das empresas. Talvez essa atividade, nesse panorama agora “normal”, deva aproximar-se mais da arte do que da ciência.

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